terça-feira, 30 de abril de 2019


Passam das 10 horas da manhã. É domingo. Pessoas normais estarão a caminho da praia, a visitar parentes, ou na cama em ressaca, não ligadas ao telefone fixo com discurso repetido para uma lista com mais de 80 nomes. Mas tem de ser, e é comigo:
"Aló", atende-me uma voz feminina.
"Sim, bom dia. Ligo da empresa X para confirmar se a senhora vai usar o serviço que reservou para hoje. Falo com a senhora Wanda?"

Do outro lado da linha, a senhora não se contém. Rebenta mesmo uma risada com sabor a sarcasmo. Estou calmo e deixo a senhora rir-se às custas do meu ouvido. Instantes depois, satisfeita talvez por lavar a alma, ela confirma, corrigindo:

"/Uanda/?! /Vanda/!!! Sim, sou eu. Vou usar".

Não sou pago para discutir sociolinguística com os clientes. Aliás, pouca utilidade há para pensar, de tão autómatas que certas missões são, pelo que agradeço a atenção e deixo um até logo.


Agora, no intervalo entre uma chamada e a outra, quem ri sou eu. Sim, porque em Umbundu, língua nacional predominante no centro e sul do país chamado Angola, e em particular em Benguela, "owanda", ou simplesmente "wanda" [ua:nda], significa rede. É um nome que se dá a crianças que surgem depois de o casal ter perdido outros filhos. É como metáfora a dizer que a rede da morte poderá arrastar esse recém-nascido a qualquer momento também. E a pessoa cresce com aquele nome. Para a minha interlocutora, de certeza, só existe uma forma, Wanda que se lê com /v/.


Já lá vão uns três anos e não sei como fui pensar logo hoje em ruídos na comunicação.

Gociante Patissa, Benguela, 08.12.2012


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