domingo, 29 de junho de 2014
sábado, 28 de junho de 2014
Falar do futuro do português, o considerado quinto idioma mais popular no mundo, é evidentemente um assunto vasto. Enquanto recolector de tradição oral, interessa-me olhar para a realidade angolana e abraçar a vertente sociolinguística, visto o valor da língua como património cultural imaterial. A propósito, há quem defenda a existência de um tal português angolano. Temos? Sobre isso continuaremos mais adiante.
Não havendo grandes estudos oficiais no que se refere a políticas linguísticas na Angola independente, a partir dos quais teríamos indicadores para avaliar eventuais êxitos ou desvios na sua aplicação, resta assumir que qualquer exercício de previsibilidade do uso do português é ainda mais complexo. E já sabemos que nem valem a pena incursões ao passado, conhecendo como conhecemos a história da chegada da língua, que era até há bem pouco menos de 40 anos instrumento de aniquilação identitária dos povos das então colónias portuguesas, a coberto de uma tal expansão da civilização europeia.
Adoptado o português como idioma oficial, que é inquestionavelmente a língua materna de milhares de angolanos, a questão passa a ser a forma como esta dialoga com os demais idiomas de matriz africana, entre Bantu e não Bantu, nomeadamente o cokwe, fiote, helelo, khoisan, kikongo, kimbundu, ngangela, nhaneka-nkumbi, umbundu, oxindonga, oxiwambo, e o vátwa. E se o leitor nos permite problematizar um pouco sob o axioma de que cada língua veicula uma cultura, a questão seria: que cultura veicula a língua portuguesa numa sociedade multi-étnica e linguística? Bem, é em nome da cultura, que é por vocação um fruto da partilha, que teremos de evitar radicalismos e complexos, sejam eles de inferioridade ou de superioridade, pois as sociedades são dinâmicas e o fenómeno linguístico é inerente à interação dos povos.
Quando falamos do diálogo que deve existir entre as línguas, é tendo precisamente em conta o cuidado necessário para que o status dado a uma língua, que geralmente corresponde a determinado grupo social, não represente a subjugação de outros. Em tempos, um notável intelectual desabafava pelo que interpretava como sendo um sinal da subalternização institucional das nossas línguas nacionais. Não lhe pareceria, pois, razoável a prática de haver sempre um tradutor para estrangeiros que falem à imprensa ou ao parlamento e, entretanto, quando chega a vez de anciãos e autoridades tradicionais, terem de o fazer num português em que por vezes mal se expressam e compreendem, com todo o desconforto que isso implica.
Já existe o português angolano? Há quem defenda que sim, mesmo até com base na linguagem literária que incorpora cada vez mais termos e expressões tipicamente do nosso linguajar, como por exemplo, “é maka grossa me apanhar a pata”. Mas isto basta para legitimar a existência de uma variante angolana? Como caracterizar a pronúncia padrão dos locutores noticiosos, o sotaque europeu? O certo é que o português angolano não existe, tão-só porque não se estabeleceu uma norma própria, oficial.
O futuro do português, quanto a mim, passa por assumir de maneira integradora o seu papel de língua oficial relativamente às outras de matriz africana. Impõe-se um rigoroso trabalho de estudos linguísticos e antropológicos, de modo a valorizar a correcta grafia da toponímia e a essência proverbial dos nomes africanos. Insistir-se na substituição forçosa do “K” pelo “C”, mesmo quando se trata de algo tão representativo como o rio Kwanza ou a província do Kwando-Kubango, pelo magro argumento das confusões por a língua oficial ser avessa às consoantes “K, W, Y”, tão comuns nas línguas Bantu, só vai atrair ainda mais recalcamentos. O português tem de dialogar!
Gociante Patissa, Luanda 25 Junho 2014 (licenciado em linguística, especialidade de inglês)
sexta-feira, 27 de junho de 2014
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Da casa de um primo seu fazendeiro no
Dombe-Grande, o meu pai voltara com arranhões e o bolso da camisa rasgado. A
saudade fora tão grande que, à chegada, partiu para um efusivo abraço, gesto que
o cão de guarda tomou por agressão ao seu amo, acostumado à regra de se sentar
primeiro e saudar depois. Assim é com os Va Cisanji.
Num universo marcado pela exiguidade
bibliográfica na recolha da tradição oral, os rígidos preceitos científicos não
são propriamente a nossa tenção. Não abdicamos é de contribuir com vivências,
ainda que o façamos com a regularidade de um vaga-lume.
sexta-feira, 20 de junho de 2014
segunda-feira, 16 de junho de 2014
domingo, 15 de junho de 2014
sábado, 14 de junho de 2014
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Da casa de um primo seu fazendeiro no
Dombe-Grande, o meu pai voltara com arranhões e o bolso da camisa rasgado. A saudade
fora tão grande que, à chegada, partiu para um efusivo abraço, gesto que o cão de
guarda tomou por agressão ao seu amo, acostumado à regra de se sentar primeiro e
saudar depois. Assim é com os Va Cisanji.
Num universo marcado pela exiguidade
bibliográfica na recolha da tradição oral, os rígidos preceitos científicos não
são propriamente a nossa tenção. Não abdicamos é de contribuir com vivências,
ainda que o façamos com a regularidade de um vaga-lume.
Tornando à cena do visitante agredido. Passa-se
que tanto este como o anfitrião são de uma localidade culturalmente fronteiriça
entre os municípios de Balombo e Bocoio, encaixada administrativamente no
último. Dista cerca de 170 Km a nordeste da capital da província de
Benguela, território com predominância da etnia Ovimbundu e que se comunica na
língua Umbundu, representando 1/3 da população — estatísticas
avulsas —
e abrange as províncias do Kwanza-Sul, Benguela e Namibe (costa), Bié, Huambo e
Huila (planalto centro e sul).
Segundo Fernandes & Ntondo (2002), referidos
em Kavaya[1]
(2006: 54), formam o grupo os va Viye, Mbalundu, Sele, Sumbi, Mbwei,
Vatchisandji, Lumbu, Vandombe, Vahanya, Vanganda, Vatchiyaka, Wambu, Sambu,
Kakonda, Tchicuma, o maior etnolinguístico angolano (acima de 4.500.000
pessoas). Quanto à etimologia, Arjago[2]
(2002: 23) sugere que foram apelidados, “pelos povos encontrados, de vakwambundu, o que significa gente vinda
das zonas de nevoeiro, tratando-se do litoral”.
Nestes subgrupos, cada encontro, por simples
que seja, representa provavelmente uma oportunidade de inventariar a vida, sem preocupações
relativas à economia do tempo. «Okwimbwisa
ulonga», fazer a saudação, é um longo relato da situação familiar e
introduzir o motivo do encontro, desde o último contacto, cobrindo depois o social,
o económico e o político. A linguagem é coloquial e inevitavelmente proverbial.
Como veremos adiante, entre os Va Cisanji, a «ulonga» é ainda mais minuciosa. Podemos concluir esta fase
generalista com a certeza de que é ao bem-estar que se aponta.
Do Bocoio, a
minúcia da «ulonga» é norma nas demais quatro comunas:
Monte-Belo, originalmente Utwe Wombwa (cabeça de cão), Chila (de Ocila,
palco, pista), Cubal-do-Lumbo (de Kuvale Kwelumbu, Cubal Mágico) e Passe
(Epasi). O chefe do lar é o interlocutor exclusivo. Nos meios mais conservadores,
acomoda-se o hóspede sem diálogo quase nenhum, enquanto alguém vai buscar o
interlocutor. Na impossibilidade, é substituído pela esposa e, na ausência
desta, pelo descendente mais-velho. É sempre o mais-novo (inferior hierárquico por
idade, grau de parentesco, cargo) quem começa a contar o estado de saúde, sendo
facultativa a pergunta. Se o mais-velho começa a explicar, é sinal para o inferior
distraído o interromper.
Eis algumas passagens
de diversas «ulonga». (a) Dialéctica: “Etu
vo, mumosi haimo. Tulinga tuti vamwe vatokota, vamwe vapola. Apa mbi omãlã omo
vakulila, etu twakulu omo tukukila” (Connosco é igual. Uns quentes/doentes,
outros frios/com saúde. Se calhar é o jeito de nós, os mais velhos, envelhecermos
e os mais novos crescerem); (b) Fome: “Twalale,
omo mwenle apa omo… Etaili, okulikwata komenlã, oco okusuyako” (A noite passou-se,
enfim… Hoje, levar a mão à boca, só se for para coçá-la); (c) Insegurança: “Wangombe, apamba lilu” (ao jeito do
boi, os chifres em riste); (d) Aflição: “Wambwa,
kwatwim kuliwa” (ao jeito do cão, as orelhas sendo roídas).
Resumindo, «Okwimbwisa ulonga», a saudação a preceito, é uma instituição entre
os Ovimbundu, constituindo na tribo Ocisanji uma afronta ser questionado pelo
mais-novo sobre o estado de saúde, e como tal choque de cultura na interacção até
com povos vizinhos.
Gociante Patissa, Benguela, 11 de
Junho de 2014
quinta-feira, 5 de junho de 2014
"NDA OMÕLÃ
OLILILA OMOKO YOPUTO, OVE UYAVELA! [ECI YUTETA, EYE MWENLE]" (adágio
Umbundu) - Se a criança chora por uma navalha, dá-lha. [Quando se ferir, terá
sido por ela mesma]
Explicação: Se o orgulho impede a pessoa de ouvir conselhos, há que deixá-la com as suas
escolhas. O arrependimento vem mais tarde com as consequências.
Assinar:
Postagens (Atom)