«Nda wanda, kukame ondalu: vasala vayota»: se tu vais, não apagues o fogo: os que ficam aquecem-se.
Já que se vai falar sobre o uso de provérbios no livro de Gociante Patissa, o melhor foi iniciar com um provérbio, em que se abre uma ponte reflexiva aos egrégios leitores para que possam transmitir aos mais novos tudo o quanto lhes foi ensinado.
Destarte, baseando-se no Dicionário Electrónico de Português Houaiss (2017), entende-se por provérbios, como frases e expressões, geralmente, curtas e de origem popular, que sintetizam um conceito a respeito da realidade, regra social ou moral. Tais frases ou expressões são parte da cultura popular de um determinado povo, transmitidos de forma oral ou escrita às gerações mais jovens pelas mais idosas. As mesmas transmitem conhecimentos comuns sobre a vida, educam, edificam, exortam e ajudam a reflectir. Muitos desses provérbios constituem aquilo que muitos mais velhos são hoje.
Sentados à volta de uma fogueira ou imbondeiro, eram contados vários contos, provérbios, anedotas, lendas e adivinhas, assim eram transmitidos os conhecimentos de forma oral aos mais novos. Com o passar do tempo e a forte influência da globalização, tal prática caiu em desuso, e assim a nova geração acabou por perder o fio das nossas origens, deixando-se levar pelas origens estrangeiras. Hoje, os jovens, com a idade compreendida entre os 15 aos 19 anos de idade, estão tão longe daquilo que os mais velhos foram na juventude e, por consequência, muitos têm dificuldades de assumir a sua identidade cultural.
Afirmou Jofre Rocha, numa entrevista concedida à Lavra & Oficina, que «a Literatura é um veículo fundamental para levar o povo a reencontrar a sua identidade, liberto de complexos e preconceitos, valorizando as tradições mais positivas e a cultura em geral». E a tradição oral (ainda) constitui uma das pontes que visa permitir aos angolanos o resgate da idoneidade cultural que cada etnia possui. Geralmente, designa-se por literatura tradicional oral angolana o conjunto de todos os contos, lendas, fábulas, provérbios, advinhas, poesias, narrativas criadas pela alma artística do povo angolano, e foram transmitidas oralmente de geração a geração. A literatura tradicional oral angolana é uma marca que rompeu as barreiras da vida e a mesma trouxe um mundo imaginário e a realidade das culturas dos povos indígenas.
Schipper (2011, p. 14) afirma que a função dos provérbios na literatura oral é reforçar o argumento do autor, animar a história ou explicar alguma situação ou comportamento.
Na baila do livro «Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas», o escritor relaciona os provérbios com os factos sociais e o enquadramento da língua Umbundu para melhor expor uma ideia ou enriquecer os seus contos. É um livro composto por catorze contos, lançado no ano de 2014 sob chancela do Grecima e apurado no concurso de originais para colecção «11 Novos Autores», no quadro da Bolsa Ler Angola. O livro marca a literatura angolana pelo modo como o escritor desenrola os contos e pelas marcas de angolanidade que nela podemos encontrar.
Segue-se abaixo uma lista de provérbios em Umbundu com a respectiva tradução original da obra em análise de Gociante Patissa.
1. «Camãnle calinga eti mbanje, ka calingile eti mopye»: coisa alheia é para ver apenas, não para falar.
2. «Ina yukwene, ndaño onima ndopalata, ka lisoki la wove»: mesmo que a mãe do outro brilhe como a prata, jamais substituirá a tua.
3. «Ka mwinle ongongo ka kolele»: quem não sofreu não amadureceu.
4. «Kapiñãlã ka lisoki la mwenle»: substituto é inferior ao dono.
5. «Ocilema vacitaisa, ka vawutola»: que o aleijado nasça na família, não se acolhe de outrem.
6. «Ocili viso»: verdade é o que for visto.
7. «Ombwa ka yiwulila cahenlã»: cão não ladra por algo que passou ontem.
8. «Otembo ka yilyalya camãle»: aquilo que o tempo tirar, o tempo vai devolver.
9. «Soma wakava okuyeva kowiñi, oyongola okuyevelela kongolo»: o Rei fartou-se de ouvir o povo, agora quer conselhos do seu próprio joelho.
10. «U kwendi laye ka kukutila ko epunda»: não te prepara a trouxa quem contigo não viaja.
Os provérbios na língua vernácula trazem na sua essência três partes. A primeira são os provérbios na língua de origem, a segunda na língua traduzida (sem perder o sentido original) e a terceira, a moral do provérbio. Tratando-se de uma obra literária em que o escritor traz as duas primeiras partes da essência, questionamos o escritor, Gociante Patissa, o porquê do não enquadramento da terceira parte.
Por outra, o Umbundu é a língua dos Ovimbundu, grupo sociocultural que está localizado no centro-sul do país, ou seja, no Planalto Central e nalgumas áreas adjacentes, especialmente na faixa litoral, a Oeste do Planalto Central. Uma região que compreende as províncias do Huambo, Bié e Benguela. Por essa razão, entendemos o uso dos provérbios na língua Umbundu, pois é a língua da região do escritor do livro em questão, visando valorizar e divulga-la.
Sendo o Umbundu “…a segunda língua mais falada em Angola (a seguir ao português) com 5,9 milhões de falantes (22,96% da população)” (https://pt.mwikipedia.org/wiki/Línguas_de_Angola), propomos um desafio ao escritor para que também implemente nas suas futuras obras as outras línguas regionais de Angola, como requisito de valorização e divulgação das nossas línguas.
Outrossim, podemos dizer que os provérbios retirados da obra «Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas» têm uma finalidade educativa e muito reflexiva sobre a vida, e também visam incutir valores éticos e morais às novas gerações para que sejam bons cidadãos na sociedade.
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