domingo, 30 de junho de 2013

Se bem me lembro da versão contada certa vez pelo professor de epistemologia no curso de sociologia em uma universidade cá de Benguela que acabei não concluindo, a sereia (ou menina do mar) nasceu dos pescadores. Até aqui, parece não haver novidade na descoberta, tendo em conta que, pela natureza da sua actividade, só podem estar ligados a tudo o que seja ao mar relacionado. Contudo, a coisa vai muito além do simples pescar. A sereia é uma infinita narrativa de amor entre homem e mulher, vista numa dimensão de transcendência.

Antes de avançar, permitam-me partilhar uma dúvida. Haverá em Umbundu vocábulo para sereia, como seria “kianda” na língua Kimbundu? Justificará a existência da palavra “kianda” o senso-comum segundo o qual a essência do território de Luanda é o mar, ao contrário da também dita “Nação Ovimbundu”, cuja capital era o planalto centro? É consabido que o Umbundu e o Kimbundu são de inevitável diálogo intercultural, ou não tivessem ambas a raiz Bantu.

Retornando à lenda, dizia que o mito da sereia simbolizava a transcendência do amor entre homem e mulher e a noção dialéctica de felicidade no lar. Talvez por lhes ser difícil perceber como pode um pescador, que tem por habilidade primária saber nadar, morrer por afogamento e ainda por cima o corpo não ser encontrado. A explicação que encontravam era recorrente: o homem foi conquistado pela menina do mar, que tem por hábito não devolver maridos alheios.

O retrato dessa figura que é certamente imaginária, apesar do dogma que retira do questionável qualquer relato sobre o conhecimento ou experiência dos mais-velhos, não escapa aos estereótipos de beleza e atracção feminina. Ou seja, é uma mulher acima de perfeita, muito carinhosa, um manancial de relações humanas. Resumindo, é o oposto do que os homens não encontram de bom em suas esposas, ou do mal que julgam haver nestas. 

O que a lenda não diz é se esse casal híbrido pode, ou não, ter filhos, e se, podendo, os rebentos nascem com a barbatana do lado da mãe, ou pernas mesmo, como o pai. A pergunta de retórica seria a seguinte: e se as mulheres procurassem um menino do mar também? Bem, até onde se sabe, a sereia é sempre solteira, além de que não é expectável que mulheres tomem comando de detalhes mais complexos da actividade de pesca, como seria ir jogar a rede ou desembaraçá-la no fundo do mar.

Nesta ordem de ideias, as esposas dos pescadores conviviam com o risco inerente à actividade dos maridos, não tanto pela sinuosidade das marés ou ventos, mas pela promissora felicidade de enamorar uma menina do mar e nunca mais o regresso à terra.

O da foto é o primo meu mergulhador que penso levar a tribunal brevemente por me ter prometido uma sereia há quase um mês, sem se dignar em trazê-la já para a casa. Bem, se você se interessar por uma sereia, é bom lembrar que o texto é apenas uma versão.
Gociante Patissa, Restinga do Lobito, 27 Junho 2013

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