Segundo o jornalista Reginaldo Silva, "Mais projecções do INE sobre o estado da população angolana referentes a 2012..."
sábado, 31 de maio de 2014
domingo, 25 de maio de 2014
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Passam das 10 horas da manhã. É domingo. Pessoas
normais estarão a caminho da praia, a visitar parentes, ou na cama em ressaca,
não ligadas ao telefone fixo com discurso repetido para uma lista com mais de
80 nomes. Mas tem de ser, e é comigo:
"Aló",
atende-me uma voz feminina.
"Sim, bom dia. Ligo
da empresa X para confirmar se a senhora vai usar o serviço que reservou para
hoje. Falo com a senhora Wanda?"
Do outro lado da linha, a senhora não se
contém. Rebenta mesmo uma risada com sabor a sarcasmo. Estou calmo e deixo a
senhora rir-se às custas do meu ouvido. Instantes depois, satisfeita talvez por
lavar a alma, ela confirma, corrigindo:
"/Uanda/?! /Vanda/!!! Sim, sou eu.
Vou usar".
Não sou pago para discutir
sociolinguística com os clientes. Aliás, pouca utilidade há para pensar, de tão
autómatas que certas missões são, pelo que agradeço a atenção e deixo um até
logo.
Agora, no intervalo entre uma chamada e a outra,
quem ri sou eu. Sim, porque em Umbundu, língua nacional predominante no centro
e sul do país chamado Angola, e em particular em Benguela, "owanda",
ou simplesmente "wanda" [ua:nda], significa rede. É um nome que se dá
a crianças que surgem depois de o casal ter perdido outros filhos. É como
metáfora a dizer que a rede da morte poderá arrastar esse recém-nascido a
qualquer momento também. E a pessoa cresce com aquele nome. Para a minha
interlocutora, de certeza, só existe uma forma, Wanda que se lê com /v/.
Já lá vão uns três anos e não sei como fui
pensar logo hoje em ruídos na comunicação.
Gociante Patissa, Benguela, 08.12.2012
segunda-feira, 19 de maio de 2014
"Ame ndoco nda vakwa CENSO vandipulisile
nda ndikwete olusu vonjo, ame nda ndilinga mwenle siti si kwete. Eci ndifeta
olusu ndilila, omo okuti - ndapanga ale oviyaso, oloneke olusu yenda ovyo
vyalwa vali enene - ndifeta ño olusu yimwe okuti sa yimwinle".
TRADUÇÃO (português)
Se eu fosse
questionado pelo pessoal do Censo sobre a energia eléctrica em casa, eu diria
mesmo que não a tenho. Quando pago pelo consumo de electricidade, eu choro,
pois - já fiz os cálculos, os dias de falha são a maioria - tenho estado a
pagar por algo que não vi. (De um cidadão que falava ao programa Omenle
Yocinjomba, da Rádio Benguela, hoje)
sexta-feira, 16 de maio de 2014
Quando em meados da década de 1990 do século 21 testemunhei a grande festa de efiko (ritual de iniciação feminina) entre os Vakwandu, grupo cultural pré-Bantu predominante no chamado território dos Vandombe, fiquei mais ou menos decepcionado. Estava de visita à comuna da Kalahanga, tinha eu pouco menos de 15 anos, e o meu pai, outro militante profundo pela tradição oral, cuidou de nos aproximar à manifestação cultural daquele povo. Como filhos do chefe (o velho era o administrador comunal), foi-nos granjeado um lugar privilegiado. A minha decepção nada tinha que ver com o ritual em si, ou com eventual diabolização infundada de que este tem sido vítima ao longo dos tempos, mas tão-somente pela forma como anciãos procuravam, digo mesmo compulsivamente, roubar um pedaço de carne ao lume e ir chupando o tutano, tão agarrados ao osso, sujeitando-se a pauladas do guardião da copa. Na minha concepção, como julgo ser na da maioria de outros Ovimbundu, o osso é a parte menos valiosa do animal. Temos um provérbio segundo o qual “u olya omuma ka litami losonde”(quem come o fígado não se suja com sangue). Subentende-se existir no fígado o maior prestígio, tanto assim é que, quando se prepara uma refeição para visitas ou pessoas relevantes, o fígado é das partes que não devem faltar. Outro provérbio diz que “u ka li po ombelela yaye akepa” (ao ausente, há o risco de sobrarem apenas ossos para conduto, mais concretamente o que seria acompanhante para o pirão de milho ou de farinha de mandioca, que é invariavelmente a base das principais refeições no meio rural). Bem, é certo que não seria pelo valor antropológico do osso que o estudante de origem Ovimbundu andaria aos pontapés com o conteúdo da anatomia, que atribui ao esqueleto o mérito do equilíbrio do corpo humano. Para terminar, partilho uma das várias lições indirectas que retenho da minha mãe, nesta máxima: “cimwe, nda tuyola, tuyolela ño apa kuti ovayo akepa” (às vezes, se é que nos rimos, só o conseguimos porque os dentes não passam de ossos). E aqui vai um poema que vem no meu livro GUARDANAPO DE PAPEL, pág. 15. NósSomos. Lisboa, Portugal, 2014:
REGISTO MAGNÉTICO DA MAMA
Calha às vezes filho
que o arco-íris pinta cantos farpados
no centro da mão do tímpano
Também calha filho
que o arco-íris traz cócegas à pétala
O músculo então cede
com a leveza da água
afinal
dentes são só ossos.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Voltei ao bairro em que cresci e me deu as
dificuldades (para amadurecer) e as alegrias (para o necessário equilíbrio). É
uma sanzalita chamada Santa Cruz. Querem agora que a achemos no município da
Catumbela, mas o bom mesmo é que as ordens administrativas não comandam
memórias - logo, aquilo Lobito é. Morei lá entre 1987 e 2008. Mãe de um é tia
de todos, pai também, o mesmo com os irmãos. Também é colectiva a dor, a perda
ou, quando for o caso, a vergonha. Gosto de interagir com jovens, mas gosto
muito mais é de ouvir os mais-velhos, mergulhar em seus suspiros, diálogos, sem
deixar de estar atento às pragas rogadas, sejam abertas ou veladas. Em Umbundu,
quase tudo é por atalhos, servido na bandeja da metáfora, do fragmentado, da
inferência. Na saudação, um breve tema de conversa com uma vizinha (a
propósito, nós não temos isso em Umbundu, não dizemos o seu equivalente literal
"una tulisungwe", mas sim "ukwetu umwe tukasi laye kumwe",
ou seja, uma pessoa companheira). A mais-velha lamentava-se de vários óbitos em
dias seguidos, ao que se seguiu um profundo... "OSONGO YASENGA". No
contexto do diálogo, queria dizer que o bairro está sem graça. Mas
"osongo" pela mesma grafia e fonia pode também significar semente, ao
passo que com uma ligeira alteração na entoação pode significar espinho.
Gociante Patissa
Gociante Patissa
terça-feira, 6 de maio de 2014
"Si kaivale ko
okuti kilu lyeve ndukombe
ndipita ombamba
ndonelehõ yakala lomenle
kekumbi ka yi ko vali
yowuka lutanya
mwapita ombela
noke yaloluka"
TENTATIVA DE TRADUÇÃO
Que eu não me esqueça
de que sou hóspede na face da Terra
de efémera passagem
como a flor que sorriu de manhã
Já não existe de tarde
murchou com o sol
bateu a chuva
e ela ruiu.
okuti kilu lyeve ndukombe
ndipita ombamba
ndonelehõ yakala lomenle
kekumbi ka yi ko vali
yowuka lutanya
mwapita ombela
noke yaloluka"
TENTATIVA DE TRADUÇÃO
Que eu não me esqueça
de que sou hóspede na face da Terra
de efémera passagem
como a flor que sorriu de manhã
Já não existe de tarde
murchou com o sol
bateu a chuva
e ela ruiu.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Todas as vezes que
veio à cidade, Velha-Mbali se deparou com deselegantes surpresas, mas a desta
vez, batia seguramente todos os recordes. A anciã chegou mesmo a tossir de
choque ao cruzar com miúdo de doze anos apenas, não mais do que isso, girando a
cidade para cima e para baixo com cuecas e sutiãs de mulher adulta no ombro a gritar:
«arreou, arreou no negócio, é a última zunga do ano!!!»
E como a ousadia é
a alma do negócio na zunga, o rapaz abordou-a insistentemente, para não dizer
chatamente:
— Minha mamoite,
arreou na tanga; olha “mónica”; táqui surtião…
Velha-Mbali ainda
tentou fingir indiferença, mas não aguentou. Arremessou, com toda a violência,
o galo de raça contra a cabeça do adolescente:
— Vai faltar
respeito na tua mãe, que não te deu educação!!!
O zungueiro, que
nunca vira tão intempestiva reação de potencial cliente, logo uma “mamoite”,
meteu-se a correr. E no máximo da sua quilometragem! E devia ter uma cabeça
muito rija mesmo, o zungueiro, já que o impacto da pancada fez rebentar a corda
que imobilizava as patas do galo. Este, que não imaginava as fêmeas que por ele
esperavam para reprodução lá no kimbo, meteu-se em fuga no frenético trânsito
urbano em hora de ponta. Era ver o desespero da anciã diante do risco de perder
o animal. Isso é que nunca! Eis que arregaçou o espírito, e lá ia atrás do
galo, ela que também já não tinha lá muita juventude nas pernas. De repente… —
puapualakatá, pumbas! — acabava de ser atropelada por um kupapata, que vinha em
sentido contrário.
— Netele,
a njali, ndakapele okuteta onimbu… (É
desculpar, minha mãe, a intenção era fazer corta-mato...)
— Amõla
wange, watopa muele cokuti vetapalo omo oteta onimbu?! (És
tão parvo assim, meu filho, que queres corta-mato na estrada?!)
— Vangecele,
mamã…(Perdão, mãezinha…) — suplicava o
kupapata, enquanto se levantava do chão e inventariava os danos.
— Mbi
cakulimba okuti olikondakonda opitaela?! (Esqueceste que quem
contorna também costuma chegar?!)
O kupapata de
imediato ligou para o serviço de bombeiros, que localizou a família e levaram
Velha-Mbali ao banco de urgência. Algumas horas mais tarde, estava aplicado o
gesso. O kupapata tinha muitos danos, a começar mesmo pela compra de outro galo
de raça — regressar de mãos a abanar é que Velha-Mbali não aceitava de modo
algum!
sábado, 3 de maio de 2014
Investi metade da tarde de ontem no centro da
cidade do Lobito, deambulando como exercício de "queimar tempo", um
pouco por incompetência de certa agência bancária, onde suportei longa fila até
ouvir que "o colega que atendia Western Union saiu para almoçar, passa
mais logo ou então amanhã". Procurei saber daquela simpática senhora que
me atendeu se o banco fecharia caso o colega estivesse doente, ao que respondeu, a contra-gosto,
que não. Bem, como discutir não me resolveria o problema, saí ao encontro da
celebração da vida que é no fundo o quotidiano, os diálogos fortuitos e a
observação de imprevisíveis fenómenos sociais. Numa rua da Zona Comercial,
passo por duas senhoras, nessa mania muito angolana de estorvar o passeio. Uma
era funcionária (em pé e de passagem), a outra a mendiga (sentada, encostada
entre a árvore e a parede). Era grande a empatia. A funcionária elogiava a bebé
de mendiga, num registo de diálogo coloquial e terno, na língua Umbundu, que a
seguir reproduzo, ciente embora da poesia que se perde com a tradução:
“Avoyo, mba wakula!” – Vejam como está grandinha!
“Oco,
wakula!” – É, está mesmo grande!
“Omõlã
mba ka vala!” – A criança não custa!
“Ocili,
omõla ka vala, civala ño imo” – É verdade, o que custa mesmo é a gravidez.
E lá continuei a caminhada com a certeza de que algum troco a funcionaria deixaria para a mãe da bebé, sem deixar de especular que o pai da criança, algures na cidade, aguardava pela esposa que faz da mendicidade o posto de ganha-pão.
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