«Nós muitas vezes acusamos “o outro” de nos ter colonizado. Portanto, o
nosso discurso quase sempre faz referência à colonização portuguesa, mas nós
nos esquecemos do “colonialismo” de nós próprios. Hoje há mais repressão aos
curandeiros do que no tempo dos portugueses. Hoje, há mais assimilação da
cultura do “outro” do que no tempo de Portugal. A libertação nacional ou a
libertação espiritual é um processo que deve continuar.» - Paulina Chiziane, escritora
moçambicana ao programa A Páginas Tantas, canal TVM de Macau, disponível no
Youtube
quinta-feira, 31 de julho de 2014
domingo, 27 de julho de 2014
"Eci cakala osimbu, polonambi pali uloño
volombangulo. Kaliye, volupale, omãlã vainda ponenle, vakaimba ovikanda.
Cisapeliwa ka vacilete, pwãi cimwe ndaño eci calya omunu ka vaci."
(Tentativa de tradução do Umbundu: No nosso tempo, antigamente, colhia-se sabedoria nas conversas de um óbito. Hoje, nas cidades, os mais novos isolam-se para jogar cartas (sueca), não seguem o que se conversa, às vezes mal chegam a saber a causa da morte) - Alfredo Gociante, tio meu materno
(Tentativa de tradução do Umbundu: No nosso tempo, antigamente, colhia-se sabedoria nas conversas de um óbito. Hoje, nas cidades, os mais novos isolam-se para jogar cartas (sueca), não seguem o que se conversa, às vezes mal chegam a saber a causa da morte) - Alfredo Gociante, tio meu materno
sábado, 26 de julho de 2014
Pelos becos do bairro benguelense que cada vez
mais se vê tentado a desistir do sonho alcatroado, o ancião deu um instintivo
salto para escapar, iminente que se fazia o atropelamento por esses triciclos
motorizados com carroçaria, conhecidos como kaleluya. "Omanu vaindela
posi, ene olomoto wuvivolisa", reagiu com repulsa o ancião, a quem
aborrecia menos o risco de atropelamento nos becos do seu próprio bairro do que
aquilo que via na carroçaria: uma moto delop empoeirada, com ares de degradação
por falta de uso, muito provavelmente a caminho de ser descartada. "As
pessoas andam a pé, e vocês entregam as motorizadas ao apodrecimento".
domingo, 20 de julho de 2014
Oratura: ACEITAMOS «OKUPOKIWA» EM DIAS DE CARÊNCIA?
Em outubro de
2005, visitei zonas recônditas no Sambo, comuna do município da Cikala
Colohanga, no Huambo. Fiz parte do grupo de pesquisadores a grupos focais ao
serviço da inglesa «Save the Children». Os alvos eram crianças órfãs e
vulneráveis na Ombala de Ciyaya, capital tradicional de cinco aldeolas de
refugiados provenientes da Zâmbia, cerca de oito quilómetros da comuna de
Samboto. A povoação ressentia-se do fim da assistência do Programa Alimentar
Mundial, agência humanitária da ONU.
Mesmo que o código
de conduta da «Save» não proibisse gratificações de ordem material daqueles
aldeões que ensaiavam a readaptação, finda a guerra que um dia os afugentou, o
quadro crítico de penúria dizia bem que nada tinham para oferecer. Para se ter
ideia, ainda aos nove anos, várias crianças andavam na produção de carvão
vegetal para sustentar pais e avós, muitos dos quais dependentes de aguardente
artesanal.
A recolha de
dados ficou concluída com êxito em uma semana, conforme o plano. O que,
entretanto, não esteve previsto foi a tensa conversa com o Soba grande da
Ombala na hora da despedida. Fazia questão de nos regalar com duas galinhas,
dois quilos de feijão e alguma batata-doce. E agora, o que havíamos de fazer?
Receber, ou não?
Uma comissão
reuniu-se no cantinho, tendo como interlocutora a mais-velha do grupo.
Primeiro, era-nos enorme a empatia pelo sofrimento, não fazendo grande sentido
despenderem do já tão pouco. Segundo, o código de conduta proibia-nos, pois não
estávamos ali em visita, mas a trabalhar sob pagamento. O Soba, que sabia ao
mesmo tempo ser cordato mas intransigente, considerou de improcedente a nossa
visão. Não é «nosso», sublinhava, terminar uma visita sem «okupokiwa»,
símbolo de hospitalidade!
Como o leitor terá
já percebido, cá estamos com mais um estudo, outra vivência para abordarmos
aspectos da tradição oral do grupo etnolinguístico Ovimbundu. O verbo «okupoka»
(regalar) ou «okupokiwa» (ser regalado) refere-se a bens alimentares
para a boa hospitalidade, genericamente servidos como refeição, donde se
destacam a «ocisangwa» (bebida feita à base de farinha ou rolão de
milho, conhecida pelo seu aportuguesado quissângua) e a galinha. A norma do bom
acolhimento assenta no adágio de que «ukombe elende; ndopo yaco lipita» (o visitante
é nuvem; passa logo).
Quanto às regras
de confecção, é certo que cada grupo entre os Bantu do território de Angola tem
particularidades próprias. No essencial, a galinha é guisada e servida com
todas as partes que a integram, reservando-se ao visitante
a primazia de abrir a mesa e escolher
das porções que bem entender. Não devem faltar o coração, as tripas, as coxas,
as patas, as asas, a moela e por fim o rabinho. Dado o risco de o visitante levar à risca o direito que lhe cabe,
e daí apossar-se da tigela inteira, outras iguarias não tão especiais
complementam a ementa para os anfitriões, tais como o feijão e as verduras. Daí
que esta praxe exija dos anfitriões uma preparação das crianças, por não ser
propriamente frequente para consumo o abate de animais de criação.
Julgo não estar
muito longe da verdade se afirmar que os Ovimbundu levam muito mesmo a mal
qualquer gesto passível de ser interpretado como desprezo ou colocar alguém na
condição de mendigo. É óbvio que nem tudo é linear. A vida na cidade é cara,
aliás bem eloquente é o aforismo: «ohombo yilya opapelo, omunu olya olombongo» (cabrito come papel, pessoa come
dinheiro). Tal não é, porém, a herança ancestral de povo camponês, criador de
gado e caçador, como dá a entender a máxima «casupa oco catenlã» (se sobrar, é
porque satisfez), ou ainda «nda cipwa, cipwe;
ocipa ha nanga ko» (se gastar, que gaste; pele de animal
não é tecido de algodão).
Tão sagrada é a
boa hospitalidade que, ainda hoje, é quase uma questão de arte o papel de bom
visitante lá onde os anfitriões estejam conglomerados por laços familiares ou
de forte afinidade. Como se desenvencilharia o caro leitor se cinco lares, na
razão de uma galinha por cada, lhe fizessem chegar à mesa o prato? Ora, o
segredo está em comer um bocado de cada lar. De outro modo, fica a mágoa de
quem vir a comida rejeitada.
Regressemos,
pois, ao dilema do Soba grande de uma aldeia de refugiados em extrema carência
mas que exigia que aceitássemos a oferta de bom hospitaleiro. Ora, entre a
ética positiva de base ocidental e a costumeira africana, onde os anciãos são
por vocação uma entidade, tivemos de arranjar um meio-termo. Não era prudente
afrontar uma autoridade tradicional, quando se iria caminhar cerca de dez
quilómetros em mata cerrada. Foi então que juntamos o que sobrou da nossa
logística, se bem me lembro uma lata de leite, grade de gasosa, uns cinco
quilos arroz, massa, óleo alimentar, sal, sabão, peixe seco, entre outros, que
não ficaria por menos dez mil kwanzas.
Para terminar a
reflexão de hoje, diríamos que «okupoka» é um gesto simbólico de boa
hospitalidade, geralmente ligado a géneros alimentares, que tanto podem ser
consumidos durante a estadia, ou levados como lembrança.
Gociante Patissa,
Luanda, 12 Julho 2014
segunda-feira, 14 de julho de 2014
É
frequente ouvir-se a referência ao “tempo de caprandanda” (grafia errada, pois
não temos “R” em Umbundu e o “C” tem pronúncia diferente de “K”). Quando foi e
o que houve?
A
minha adolescência foi marcada por um quadro complexo no Lobito, onde a
residência se confundia com dependências das administrações comunais da
Equimina e Kalahanga, uma alguns anos depois da outra. Como as deslocações de
pessoas e bens eram mediante as guias de marcha, “trabalhei” também como
dactilógrafo do meu pai, na sua condição de Comissário Comunal, mas sobretudo
como pombo-correio da correspondência familiar entre Lobito, Catumbela e
Benguela, na maioria destes casos até… a pé.
A
exposição à propaganda despertou cedo o meu interesse de observador da
política. Evidentemente, havia familiares que (às escondidas) não alinhavam com
o Mpla. Estamos a falar entre 1988 e 1991. Calhava encontrar este ou aquele a
ouvir a Vorgan, rádio da Unita, com o volume baixinho. Foi assim que certo dia retive
um trecho dolente do cancioneiro Umbundu num gingle: “Kapalandanda walila / walilila ofeka yaye/ kapalandanda walila/
walilila ofeka yaye” (Kapalandanda chorou / chorou pela sua Terra/
Kapalandanda chorou / oh/ chorou pela sua Terra). Mas quem foi e chorou porquê?
GP
NOTA
DO BLOGUE OMBEMBWA: Segue-se, com pequena adaptação, o contributo de Carlos
Duarte, in «Jornal o Chá», da Chá de Caxinde, Nº 10 - 2ª série, Abril/Maio 2014:
“Kapalandanda era sobrinho do Soba Kulembe, da Catumbela. Ia ser
Soba. Agiu de 1874-1886. Adolescente, ganhou fama por
ter morto sozinho um leopardo que andava a comer as cabras (…) Ainda jovem, inconformado
com a passagem e estadia de caravanas de (…) comércio, levando panos e sal para
o Huambo – Bailundos – e trazendo borracha, cera, mel e marfim – sem pagamento,
pediu uma audiência ao Soba, seu tio, e aos sekulus, onde tentou convencê-los a
que fosse cobrada uma taxa – «Onepa» - a essas caravanas. O Soba, acomodado e
com medo da reação dos colonos, não concordou. Kapalandanda então reuniu um grupo de
guerreiros e foi para o mato, armar emboscadas e assaltar as caravanas, cujo
produto, confiscado, era em parte distribuído pelos kimbos do sobado.
Quando os colonizadores
tomaram conhecimento, foram falar com o Soba para que tomasse providências e
acabasse com essa resistência. O Soba reuniu os melhores guerreiros e
ordenou-lhes que fossem pegar Kapalandanda. Mas o resultado foi o
contrário do previsto. O grupo de Kapalandanda dominou e derrotou fácil os
guerreiros de Kulembe. Os colonizadores resolveram então fornecer armas de fogo
o Kulembe, acreditando que, com essa vantagem, acabariam com o grupo
guerrilheiro.
Mas Kapalandanda, agindo como um Robin Hood angolano, tinha já
granjeado a simpatia de grande parte dos kimbos do sobado; então, emissários
dos kimbos saíam para avisá-lo da movimentação das forças de Kulembe, o que lhe
deu condições de espera-las para o confronto, em local que lhe era propício,
anulando assim a vantagem das armas de fogo.
Uma vez mais a tropa de
Kulembe foi derrotada, e Kapalandanda ficou melhor armado. Os
colonizadores resolveram então enviar uma companhia de tropa portuguesa,
comandada por um capitão de nome Almeida, para submeter Kapalandanda. O encontro deu-se no Sopé do Passe. O grupo de Kapalandanda saiu derrotado e ele levado preso, primeiro para o
Forte da Catumbela, e depois para S. Tomé.”
domingo, 13 de julho de 2014
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Venho notando com satisfação o cada vez mais crescente
interesse pela partilha de sabedoria popular nas línguas nacionais de origem
africana. É de louvar, principalmente quando se trata de murais de gente mais
nova, se tivermos em conta a conotação de que a maior tendência nas redes
sociais recai para futilidades. Só me deixa aborrecido notar que quanto à língua Umbundu, não poucas vezes, algumas
almas mais não fazem do que ir copiar dizeres aos meus blogue www.ombembwa.blogspot.com e mural do
facebook, para colarem em seus murais ao pé da letra. Na minha ingenuidade,
acredito que a sabedoria popular é património imaterial colectivo, de qualquer
um que por ele tenha a mínima sensibilidade, mas que a tradução é de cunho
pessoal. E essa preguiça só pode multiplicar eventuais erros do tradutor
"imitado", até porque a Internet não pesquisa, não avalia, não
escreve e... não erra. Divulgar a nossa língua e cultura, sim, mas com o mínimo
esforço de honestidade intelectual.
Gociante Patissa,
3 Julho 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
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