terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Quem atira coisas para a outra margem do rio espera atravessar (adágio Umbundu)


Ociluvyaluvya co vo (imagem da) Internet

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011



Velha-Mbali encontrava-se a repousar no cadeirão da varanda desde a sua chegada. Confundiam-se, no bocejar, os solavancos da viagem e os restos do sono de quem madrugou para apanhar o primeiro autocarro intermunicipal da SGO. As pausas prolongadas e a economia de palavras eram parte da recuperação do efeito dos vómitos. A anciã teve o incómodo já previsível de usar saco plástico para lançar, foram três vezes nesta viagem de setenta quilómetros para ser mais preciso, uma fatalidade que decerto não será digerida nesta encarnação.

Qual sino de boas-vindas, o efeito acústico resultante do atrito entre a loiça e os talheres, enquanto punham a mesa, lisonjeava os ouvidos da hóspede. Chegava também com agrado a fumaça do peixe na grelha, que era a segunda paixão que Velha-Mbali guardava da cidade depois da família.

Velha-Mbali herdou da mãe uma beleza que compensava a estatura baixa do lado paterno. O rosto era a única vitrina para se lhe ver a pele semi-flácida, obra da idade. Usava panos compridos, de arrastar o chão, como manda a tradição. Os cabelos, maioritariamente brancos, salientavam a ligação entre o lenço e o quimone, ambos de tecido azulescuro de pintas brancas. A sorte de nascer imune à cárie era responsável pela capacidade de competir com os netos em matérias de mastigar, fosse o que fosse. Como é claro, empatava também na hora de palitar.

E enquanto a deixavam descansar sob a sombra da trepadeira, aguardava pelo almoço, calada, mas sempre atenta ao mínimo movimento no quintal. Era esta última a característica que os netos maisgostavam nela: ser fértil em análises dramáticas das makas da sua gente.

A fadiga da viagem não duraria muito, cedo seria suplantada pela emoção de rever os netos, agora bem crescidinhos. Bálsamo mais milagroso do que isso seria, aliás, impossível. Sentia-se inclusive rejuvenescida ao ver a neta caçula, sua chará por sinal, com mais de dez anos. E isso era suficiente para se dar conta da longa ausência na vida dos seus entes, pelo menos fisicamente. Mas para além do desconforto com as viagens por estrada, infelizmente a única via, Velha-Mbali considerava improcedente o convite de viver a beira-mar. E exigia que se respeitasse a sua posição, vontade que resultara com os adultos, mas não com os netos, que eternizavam o debate.
— Ó avó — rompeu o silêncio Waldemar, o primogénito —, a avó veio para ficar já, não?
— Não, kanekulu… Avó vem comer só natal!

E a conversa ainda continuou após o almoço. Para convencer Velha-Mbali a optar por uma vida mais relaxada, os netos esgotaram todos os argumentos de vantagem da cidade sobre o campo. Ao fim de várias horas de debate, por sua vez carregado de mimos no colo e paternalismos de vária ordem, sentenciou Velha-Mbali:
— Omwenyo Okulima, olohombo ovyo vilia opapelo.[1]
.
Convencidos de que a sua forma de ver a vida era a mais acertada, os netos matavam-se de rir aos exageros da avó que, por sua vez, também se divertia rindo, com agradável malícia, da ingenuidade deles. Mal cabia na cabeça da anciã que alguém maior de doze anos viva dependente dos pais, quando no campo seria capaz de gerir a sua própria lavrinha. Os netos, ajudados pelos pais, chegaram ainda a sugerir que, como meio-termo, a avó passasse também o reveillon. Mas ela era boa a refilar:
— O quê?! Se dia da família é dois dias após o natal, o ano novo é como?!

Era propositado o trocadilho, pois que lhe custava digerir as ausências dos chefes do lar, que andavam de prevenção, o pai na marinha e a mãe no controlo aéreo da aviação civil, só regressando ao lar no dia 27 de Dezembro. E no dia da partida, houve mais alegria do que tristeza. Com a presença da avó, o natal daquele ano foi diferente.

Todas as vezes que veio à cidade, Velha-Mbali se deparou com deselegantes surpresas, mas a desta vez, batia seguramente todos os recordes. A anciã chegou mesmo a tossir de choque ao cruzar com miúdo de doze anos apenas, não mais do que isso, girando a cidade para cima e para baixo com cuecas e sutiãs de mulher adulta no ombro a gritar: «arreou, arreou no negócio, é a última zunga do ano!!!»

E como a ousadia é a alma do negócio na zunga, o rapaz abordou-a insistentemente, para não dizer chatamente:
— Minha mamoite[2], arreou na tanga; olha “mónica”; táqui surtião… Velha-Mbali ainda tentou fingir indiferença, mas não aguentou.

Arremessou, com toda a violência, o galo de raça contra a cabeça do adolescente:
— Vai faltar respeito na tua mãe, que não te deu educação!!!

O zungueiro, que nunca vira tão intempestiva reação de potencial cliente, logo uma “mamoite”, meteu-se a correr. E no máximo da sua quilometragem!

E devia ter uma cabeça muito rija mesmo, o zungueiro, já que o impacto da pancada fez rebentar a corda que imobilizava as patas do galo. Este, que não imaginava as fêmeas que por ele esperavam para reprodução lá no kimbo, meteu-se em fuga no frenético trânsito urbano em hora de ponta. Era ver o desespero da anciã diante do risco de perder o animal. Isso é que nunca! Eis que arregaçou o espírito, e lá ia atrás do galo, ela que também já não tinha lá muita juventude nas pernas. De repente… — puapualakatá, pumbas! — acabava de ser atropelada por um kupapata, que vinha em sentido contrário.
— Netele, a njali, ndakapele okuteta onimbu[3]
— Amõla wange, watopa muele cokuti vetapalo omo oteta onimbu?![4]
— Vangecele, mamã[5]… — suplicava o kupapata, enquanto se levantava do chão e inventariava os danos.
— Mbi cakulimba okuti olikondakonda opitaela?![6]

O kupapata de imediato ligou para o serviço de bombeiros, que localizou a família e levaram Velha-Mbali ao banco de urgência. Algumas horas mais tarde, estava aplicado o gesso. O kupapata tinha muitos danos, a começar mesmo pela compra de outro galo de raça — regressar de mãos a abanar é que Velha-Mbali não aceitava de modo algum!

Conscientes de que o pior havia passado, os netos partilharam com a avó a alegria de saber que, finalmente, passariam juntos o reveillon. E a velha ainda conseguia fazer troça da própria perna engessada:
— A maka é que na cidade metem perna branca!!!

Gociante Patissa, in «A Última Ouvinte», UEA&Gociante Patissa, 2010
PS: à memória da tia Adelina Mbali Manuel Patissa


[1] Viver é cultivar. Comer papéis — ou seja, dinheiro — é coisa de cabritos
[2] (calão) mãezinha
[3] É desculpar, minha mãe, a intenção era fazer corta-mato...
[4] És tão parvo assim, meu filho, que queres corta-mato na estrada?!
[5] Perdão, mãezinha
[6] Esqueceste que quem contorna também costuma chegar?!


A minha mãe partilhou connosco trecho de um cântico que costuma animar senhoras do grupo coral da sua igreja em cerimónias especiais, a exemplo de casamentos. O templo está situado no Morro do Alto-Niva, município da Catumbela. Suas colegas, que não ela, são predominantemente Vacisanji, subgrupo étnico (Ovimbundu) que habita a circunscrição administrativa do município do Bocoio, a 100 quilómetros da cidade de Benguela, capital da província como mesmo nome. A canção, de cuja letra completa a velha não recorda, agradou-me bastante, não só pela entoação, mas essencialmente pelo seu alcance poético:

“Kulo ka kuli akondombolo / Kucaca ndati?”

Traduzindo:

“Não há cá galos / Como tem amanhecido?”

Faz lembrar o papel universal do galo, o de anunciar o novo dia. Ora, na sua ausência, como saberemos que já amanheceu? Pode-se também interpretá-la no sentido de desmentir a inexistência de galos: se é o galo quem anuncia a madrugada, ora, e as madrugadas continuam a existir, logo, há galos.

Minha mãe, que não sabe dizer que despertador o galo usa para despertar os humanos, tem contudo uma certeza: madrugadas sem galo cantar são sem graça.

Recolhido por Gociante Patissa, bairro da Santa-Cruz, Lobito, 21 de Dezembro de 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Aquele que empresta gosta de confusões. (máxima Umbundu)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Elomboloko: Olusapo wasyata pana okuti capopiwa ka cikoleliwa, cikasi ño ndo hombo, yina okuti owangu atakinla, noke te wapitulula lo kulukula.


Português: O que o cabrito mastigar não está bem triturado (máxima Umbundu).


Explicação: Diz-se de situações em que a palavra não é credível, daí o paralelismo com o cabrito, que precisa ruminar ao longo do dia.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quando alguém fala, há que ouvir a voz por de baixo da língua (entrelinhas) - Máxima Umbundu

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O cágado não trepa (para) o tronco da árvore, é porque alguém o colocou lá (provérbio Bantu).

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Não é por deixarmos de ver as coisas que deixamos de as sentir (máxima Umbundu)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Onde a cabeça não passa, pior ainda o corpo (máxima Umbundu)

Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa 2015

Vídeo | Lançamento do livro A Última Ouvinte by Gociante Patissa, 2010

Akombe vatunyula tunde 26-01-2009, twapandula calwa!

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