A “ocisangwa” (mais conhecida pelas
corruptelas “quissangua” e “kisangua”) é uma bebida típica em Angola, feita à
base de ingredientes simples e naturais. Não creio haver uma forma consensual
que sirva de receita, tendo em conta até a nossa peculiar diversidade étnica.
Ainda assim, podemos resumir a sua classificação em dois galhos: (a) a
fermentada e alcoólica, (b) a azeda ou não, mas não alcoólica. Mas para não
dispersar o foco, concentremo-nos à realidade dos Ovimbundu.
No dicionário electrónico http://www.dicionarioweb.com.br/quiss%C3%A2ngua.html,
encontramos uma remissão ao autor Serpa Pinto
(1846-1900), I, 147, que, pecando apenas pela visão redutora da geografia étnica dos
ovimbundu, não deixa de apresentar ao mundo a bebida. Para aquele expedidor e
entidade da autoridade colonial portuguesa, “quissangua
é uma bebida refrigerante, usada pelos Bihenos, e feita de uma decocção da raiz
do imbúndi, addicionando-se fuba fervida”.
O propósito destas linhas é partilhar o
resultado de uma recente recolha pela nossa tradição oral, quanto ao
significado antropológico de “ocisangwa” (a azeda ou não, mas não alcoólica),
aquele líquido da importância da água, sempre presente e acessível a todas as
idades. Às vezes basta uma boa dose de “ocisangwa” para se passar o dia todo na
lavoura.
O modo de preparo é pela fervura, similar
ao de “ekela lyo sema” (papa de milho), com uma mistura de fuba e rolão, que
fará o papel de “ovitami”, (minúsculas porções trituráveis de milho para
engrossar o líquido, que fazem com que se esteja constantemente a agitar o copo
para se evitar o desperdício de os abandonar no fundo deste). Há quem use o arroz
como “ovitami”, substantivo que julgamos advir de “okutamenla”, que em Umbundu
significa engrossar.
Para adoçar o líquido, os povos usavam
raízes, havendo também quem lhe acrescente troncos de “onyoñolo” para caprichar
no aroma. Tais práticas, como é de imaginar, são ainda usuais no meio rural,
dada a riqueza da flora angolana e o vasto conhecimento sobre sua
multidisciplinar aplicação na medicina alternativa. Mas é ao açúcar que mais se
recorre de modo geral. Quanto à sua conservação e até transporte, recorre-se à
“ombenje” (cabaça), substituída por utensílios mais modernos conforme o meio.
Aliás, voltemos ao universo cibernético
para aferir a dimensão cosmopolita da “ocisangwa”. O site português www.sabores.sapo.pt/receita/quissangua-de-fuba, por exemplo, providencia
uma receita para quem quer recordar ou conhecer novos sabores. E quanto aos
ingredientes, 200 gramas de fuba de milho, três a quatro litros de água,
250 gramas de Açúcar e Fermento q.b. Sendo lógico que nada é estático,
impõe-se entretanto realçar que, do ponto de vista da essência, a levedação
ocorre de maneira natural e não por fermento industrial. E enquanto
pesquisadores, é-nos difícil comentar sobre o resultado do produto por via
dessa receita, a qual não provamos (ainda).
A “ocisangwa” é dos bens de presença
obrigatória na “ongandala”, a trouxa tradicional que se leva nos rituais de
“oku tambela” e/ou “oku lomba” (conhecidos como “consentir” e “alambamento” ou
“alembamento”). Então porquê? E é daqui que parte a vontade de partilharmos.
Segundo nossas idóneas fontes, o líquido é de elevado valor no que à
hospitalidade diz respeito. O termo “ocisangwa” vem de “oku sangiwa”, que
também se diz em muitas variantes do Umbundu “oku sangwa. Ou seja, “ocina co ku
sangiwa ale cimwe cisangwa”, é algo encontrado, símbolo pelo qual o anfitrião
se revela hospitaleiro, claro está, tendo na mulher a garantia da sua
existência.
Essa é a nossa, mas aguardamos com agrado
pela versão que você tiver.
Gociante Patissa, Benguela
2 ondaka twatambula- comentários:
no caso do rolaõ utiliza-se em algumas regioes ''oloseke''
Afirmativo, é essa a palavra Umbundu para rolão.
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