segunda-feira, 18 de março de 2013


A “ocisangwa” (mais conhecida pelas corruptelas “quissangua” e “kisangua”) é uma bebida típica em Angola, feita à base de ingredientes simples e naturais. Não creio haver uma forma consensual que sirva de receita, tendo em conta até a nossa peculiar diversidade étnica. Ainda assim, podemos resumir a sua classificação em dois galhos: (a) a fermentada e alcoólica, (b) a azeda ou não, mas não alcoólica. Mas para não dispersar o foco, concentremo-nos à realidade dos Ovimbundu.

No dicionário electrónico http://www.dicionarioweb.com.br/quiss%C3%A2ngua.html, encontramos uma remissão ao autor Serpa Pinto (1846-1900), I, 147, que, pecando apenas pela visão redutora da geografia étnica dos ovimbundu, não deixa de apresentar ao mundo a bebida. Para aquele expedidor e entidade da autoridade colonial portuguesa, “quissangua é uma bebida refrigerante, usada pelos Bihenos, e feita de uma decocção da raiz do imbúndi, addicionando-se fuba fervida”.

O propósito destas linhas é partilhar o resultado de uma recente recolha pela nossa tradição oral, quanto ao significado antropológico de “ocisangwa” (a azeda ou não, mas não alcoólica), aquele líquido da importância da água, sempre presente e acessível a todas as idades. Às vezes basta uma boa dose de “ocisangwa” para se passar o dia todo na lavoura.

O modo de preparo é pela fervura, similar ao de “ekela lyo sema” (papa de milho), com uma mistura de fuba e rolão, que fará o papel de “ovitami”, (minúsculas porções trituráveis de milho para engrossar o líquido, que fazem com que se esteja constantemente a agitar o copo para se evitar o desperdício de os abandonar no fundo deste). Há quem use o arroz como “ovitami”, substantivo que julgamos advir de “okutamenla”, que em Umbundu significa engrossar.

Para adoçar o líquido, os povos usavam raízes, havendo também quem lhe acrescente troncos de “onyoñolo” para caprichar no aroma. Tais práticas, como é de imaginar, são ainda usuais no meio rural, dada a riqueza da flora angolana e o vasto conhecimento sobre sua multidisciplinar aplicação na medicina alternativa. Mas é ao açúcar que mais se recorre de modo geral. Quanto à sua conservação e até transporte, recorre-se à “ombenje” (cabaça), substituída por utensílios mais modernos conforme o meio.

Aliás, voltemos ao universo cibernético para aferir a dimensão cosmopolita da “ocisangwa”. O site português www.sabores.sapo.pt/receita/quissangua-de-fuba, por exemplo, providencia uma receita para quem quer recordar ou conhecer novos sabores. E quanto aos ingredientes, 200 gramas de fuba de milho, três a quatro litros de água, 250 gramas de Açúcar e Fermento q.b. Sendo lógico que nada é estático, impõe-se entretanto realçar que, do ponto de vista da essência, a levedação ocorre de maneira natural e não por fermento industrial. E enquanto pesquisadores, é-nos difícil comentar sobre o resultado do produto por via dessa receita, a qual não provamos (ainda).

A “ocisangwa” é dos bens de presença obrigatória na “ongandala”, a trouxa tradicional que se leva nos rituais de “oku tambela” e/ou “oku lomba” (conhecidos como “consentir” e “alambamento” ou “alembamento”). Então porquê? E é daqui que parte a vontade de partilharmos. Segundo nossas idóneas fontes, o líquido é de elevado valor no que à hospitalidade diz respeito. O termo “ocisangwa” vem de “oku sangiwa”, que também se diz em muitas variantes do Umbundu “oku sangwa. Ou seja, “ocina co ku sangiwa ale cimwe cisangwa”, é algo encontrado, símbolo pelo qual o anfitrião se revela hospitaleiro, claro está, tendo na mulher a garantia da sua existência.

Essa é a nossa, mas aguardamos com agrado pela versão que você tiver.

 Gociante Patissa, Benguela

2 ondaka twatambula- comentários:

Anônimo disse...

no caso do rolaõ utiliza-se em algumas regioes ''oloseke''

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Afirmativo, é essa a palavra Umbundu para rolão.

Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa 2015

Vídeo | Lançamento do livro A Última Ouvinte by Gociante Patissa, 2010

Akombe vatunyula tunde 26-01-2009, twapandula calwa!

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