O país só é grande se levas a vida com justiça (Expressão Umbundu)
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Os acordos de paz de Bicesse em1991, entre a Unita e o governo de Angola, pondo fim à guerra civil que se arrastava desde a independência em 1975, propiciaram a primeira experiência de encontro e reencontro entre famílias angolanas, até então separadas, quer pela geografia, quer por antagonismo ideológico. Foi nessa ocasião que se despertou a dúvida de carácter antropológico que hoje abordamos, depois de uma explicação recentemente colhida junto de fontes orais no interior da província de Benguela.
Numa manhã de domingo, familiares hospedados em nossa casa preparavam-se para ir à procura de um seu tio. Eram dois jovens irmãos maiores de 18 anos, nascidos em aldeolas recônditas, órfãos de pai e rodeados de família materna. Agora no Lobito, teriam a oportunidade de conhecer o irmão mais velho de seu pai. Só podia ser grande a ansiedade. A par do nome, a única referência que tinham da pessoa que procuravam era o nome da igreja. Sim, teriam de o achar entre a multidão num templo em pleno dia de culto.
Enquanto os observava, pus-me a protestar, pois cada um tinha uma faca. Para quê, em dia de descanso na cidade? A minha desvantagem na troca de argumentos foi grande, uma vez menor de idade. Cheguei a calar mesmo quando um deles disse que “homem deve trazer sempre uma faca”. Porquê? Insisti, em vão. Lembrei-me no momento de que a minha mãe me tivera dito alguma vez o mesmo, e do mesmo jeito lacónico. Venci ao não deixar que levassem as facas, mas a dúvida continuou suspensa na mente. Que representa a faca para o Ocimbundu?
De volta ao Monte Belo reparei que dois anciãos traziam faca no bolso do casaco. Um deu gume à faca de mesa, o segundo usava como canivete faca de escritório. A inquietação não se fez esperar. Para a nossa fonte, isso vem dos primórdios, quando se caminhavam longas distâncias, correndo-se o risco de sofrer assaltado. Nada mais do que autodefesa. Tolo será quem pensa que as mulheres andem desarmadas. Se os homens trazem sempre uma faca, as mulheres têm “ohumbo” disfarçada nas tranças. Trata-se de agulha artesanal com cerca de três milímetros de diâmetro, geralmente usada para costurar sacos, quindas e balaios. Em sua ausência, bem serve um alfinete normal. E quantas não terão frustrado tentativas de assalto em viagens, sacando oportunamente da sua “ohumbo” algures sob o lenço…!
Bem, aqui chegados, confesso que passa a ser secundária a minha tese, que relacionava o hábito de trazer faca à esperança de partilhar carne, ou então desbravar caminhos.
Gociante Patissa, comuna do Monte Belo, município do Bocoio, província de Benguela 18.12.2012
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Duas
cenas saltaram-me à vista, anteontem, durante o funeral de prima minha que
perdeu a vida em complicações de parto, na comuna do Monte Belo, minha terra
natal no município do Bocoio, que dista por aí uns 90 quilómetros do Lobito.
A
falecida era da “Jota” (braço juvenil do partido MPLA). Como tal, aquele
movimento fez-se representar por uma dezena de rapazes e raparigas com os
uniformes (T-shirts, bonés e panos) de sua ideologia. Até aí, tudo previsível.
Surpresa minha foi ver duas senhoras devidamente uniformizadas (T-shirts, bonés
e panos) do partido UNITA, que vinham prestar solidariedade pelo passamento
físico nas hostes adversárias.
Há
uma imensidão de ilações que se podem tirar, incluindo a de um tio meu, que
acha que “o outro” teria vindo apenas para provocação. Não foi bem o que me
pareceu, quer na postura, quer nos semblantes. Arrisco em dizer que foi
fairplay.
Parece
que o meu regresso ao Monte Belo acaba sempre cruzando com fenómenos políticos,
senão vejamos: meus pais abandonaram a comuna em 1985, à procura de
sobrevivência no Lobito. Regressaríamos (não para residir, mas) para cuidar da
lavra familiar em 1992, ano das primeiras e imaturas eleições, tendo saído
precisamente em Agosto, quando a rivalidade entre os maiores partidos políticos
angolanos ia cada vez mais volátil e o retorno à guerra civil iminente. Desde
2008 que venho tendo regressos mais frequentes, aproveitando o “advento da
paz”, sem nunca pernoitar. Só o fiz nesta circunstância de óbito, que me deu a
testemunhar este exercício saudável de coabitação.
É
sabido que é no meio rural onde conflitos de motivação partidária mais ocorrem,
quando, ironicamente, quase todos os habitantes estão ligados por laços
familiares.
Outro
exemplo digno de realçar está no facto de se preservar o papel dos
“Vakwacisoko” (organização, classe, categoria, brigada), colectivo voluntário
que cuida das tarefas mais difíceis na comunidade. Entre os ovimbundu, são os
"Vakwacisoko" quem acende o lume nos óbitos, quem prepara o defunto
em caso de indisponibilidade familiar, quem vai cavar a cova. Os seus
integrantes gozam de prestígio. Sei, por exemplo, que não têm de justificar,
caso lhes apeteça em serviço abater uma galinha, porco ou um cabrito da
comunidade, cabendo ao proprietário conformar-se. É óbvio que não chegam ao
extremo.
No Monte Belo, segundo soube, basta que chegue
aos ouvidos dos Vakwacisoko a ocorrência de morte, que eles cuidam logo de
preparar a cova. O mais interessante é que os mais-velhos estão já a preparar a
nova geração para este nível de voluntariado.
Obrigado!
Gociante
Patissa, 17 de Dezembro de 2012
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Texto e foto (Angop Luanda, 13-12-2012) – Os participantes nas 2ª Jornadas Científicas da Faculdade de Letras, da Universidade Agostinho Neto, destacaram hoje, quinta-feira, em Luanda, a importância do ensino das línguas nacionais no país, por serem o espelho da cultura angolana.
As 2ª Jornadas Científicas da Faculdade de Letras, que decorrem sob o lema “as letras e a transversalidade do saber”, dentre outros assuntos, discute a transmissão dos ensinamentos em línguas nacionais.
Solene Cristo, participante ao encontro, referiu que tendo em conta a importância das línguas nacionais, é necessário que sejam mais valorizadas, principalmente no seio da camada jovem.
Segundo a estudante, vários factores impedem os jovens de aprenderem as línguas nacionais, dentre eles a desvalorização pelo facto de muitos se refugiarem em outras culturas e colocarem de parte o que é angolano.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Passam das 10 horas da manhã. É domingo.
Pessoas normais estarão a caminho da praia, a visitar parentes, ou na cama em
ressaca, não ligadas ao telefone fixo com discurso repetido para uma lista com
mais de 80 nomes. Mas tem de ser, e é comigo:
"Aló", atende-me uma voz
feminina.
"Sim, bom dia. Ligo da empresa X para confirmar se a senhora vai usar
o serviço que reservou para hoje. Falo com
a senhora Wanda?
Do outro lado da linha, a senhora não se contém. Rebenta
mesmo uma risada com sabor a sarcasmo. Estou calmo e deixo a senhora rir-se às
custas do meu ouvido. Instantes depois, satisfeita talvez por lavar a alma, ela
confirma, corrigindo:
"/Uanda/? /Vanda/! Sim, sou eu. Vou usar".
Não sou pago para discutir sociolinguística com os clientes.
Aliás, pouca utilidade há para pensar, de tão autómatas que certas missões são,
pelo que agradeço a atenção e deixo um até logo.
Agora, no intervalo entre uma chamada e outra, quem ri sou
eu. Sim, porque em Umbundu, língua nacional predominante no centro e sul do
país chamado Angola, e em particular em Benguela, "owanda", ou
simplesmente "wanda" [uanda], significa rede. É um nome que se dá a
crianças que surgem depois de o casal ter perdido outros filhos. É como
metáfora a dizer que a rede da morte poderá arrastar esse recém-nascido também.
E a pessoa cresce com aquele nome. Para a minha interlocutora, de certeza, só
existe uma forma, Wanda que se lê com /v/.
Já lá vão uns três anos e não sei como fui pensar logo hoje
em ruídos na comunicação.
Gociante Patissa, Benguela, 08.12.12
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
Umbundu: “Olunye komboyo”
Etali tulilongisa yimwe vali
onganja yondaka. Yasesama nda tupopya cimwe okuti ciyongwiwa, ale nda cipangiwa,
pwãi citito calwa, ka cipotolola ekatanga linene, ale ka cipongolola, ka
ciyovola, omo lyutito. Tulinga tuti “Olunye
komboyo”. Ocimapu ceci: “ovo valwa vaywela; ndanõ nda kapele oku valungula,
olunye komboyo”.
Português: “Uma mosca no comboio”
Hoje vamos aprender mais uma
expressão/metáfora. Encaixa-se quando nos referirmos a algo que é desejável,
uma acção que merece ser tomada, porém insignificante diante da realidade, por
isso não resolve, não muda, não salva. Dizemos “é uma mosca no comboio”
[correspondente ao português “é uma gota no Oceano”]. Eis um exemplo: “É muita
gente a fazer barulho; mesmo que eu os quisesse advertir, seria uma mosca no
comboio.
Sali po ciwa (passem bem).
Gociante Patissa, Benguela 7 de Dezembro 2012
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